Manifestações de tibetanos no Tibete e no resto mundo no início do ano chamaram a atenção do mundo para o fato de que todos irão celebrar a união dos povos através do esporte em um país que não promove a união nem em seu próprio quintal. A partir daí, nos últimos meses, muito se falou a respeito de boicoite às Olimpíadas de Pequim.

Falaram em boicote por parte dos atletas. Isso é inconcebível nos dias de hoje. Imagine você um atleta que recebe milhares de dólares de um patrocinador deixa de participar da principal competição esportiva em 4 anos. O que você acha que esse patrocinador vai fazer com esse atleta? No mínimo, o patrocinador vai fazer seu próprio boicote ao atleta em questão. E o atleta, que se preparou durante anos para esse momento? será que ele iria abrir mão disso por causa de uma discussão religiosa que não lhe diz respeito? Certamente não.

Depois alguém propôs o boicote, por parte de chefes de Estado, à cerimônia de abertura dos Jogos. Isso foi até considerado por alguns, mas também muitos não têm moral para isso. Basta ver o recente fracasso da Rodada de Doha promovido pela força comercial de China e Índia. A essa altura do campeonato, com toda essa crise por aí, quem é que vai fazer boicote a Jogos Olímpicos se não podem abrir mão nem dos produtos chineses? Ainda bem que o Lula ainda finge ser simpatizante do comunismo e nem cogitou a hipótese.

Mas antes de se ponderar acerca do boicote, muitos manifestantes pró-Tibete já faziam muito barulho por aí... Penduraram bandeiras em locais ermos, apagaram a tocha olímpica, até para a violência já apelaram. Mas será que algum deles parou para ler a etiqueta costurada no seu tênis Nike? Se o fizeram devem ter lido algo mais ou menos assim: MADE IN CHINA.

Alguns dos meus leitores assíduos (alguns de um universo de 6 deve ser uns 2) devem estar se perguntando: "Pô, mas o Peixe na rede não era a favor da liberdade religiosa, da liberdade política e da liberdade de expressão?" Resposta: sim, com restrições (principalmente porque não acredito em liberdade). Então perguntariam: "Será que o Vinícius não se sensibiliza com a situação dos budistas tibetanos?" O logo à esquerda não me deixa mentir, sou, sim, um simpatizante dos tibetanos.

Eu seria um manifestante pró-Tibete, mas tenho alguns motivos para não ser. Vamos ficar só nos motivos filosóficos. Se lembra do que disse sobre o atleta que se julga muito distante da discusão? Pois é, eu moro no Brasil! Tem muita coisa com que nós brasileiros temos que nos preocupar antes de julgar os chineses. O governo chines é injusto com os tibetanos? O que você me diria então da policia do Rio, dos bandidos do Rio, do governo brasileiro? Será que eles são justos?! Isso só pra citar problemas com maior espaço na mídia. Isso influencia diretamente na minha vida. Por que eu daria preferência ao que acontece lá do outro lado do mundo se tem muito mais gente sofrendo aqui, a menos de um quilometro da minha casa?

Outro motivo: não acredito em democracia representativa. Não acredito que outra pessoa que não eu possa defender meus interesses. Não vou sair às ruas para pedir "Libertem o Tibete!" Ou eu vou lá e o liberto eu mesmo, ou então eu fico em casa vendo pela TV. No máximo saio de casa pra pedir que mais alguém me ajude na empreitada (mas para o caso do problema lá no Tibete não há a menor motivação).

E finalmente, se lembra do tênis da Nike "made in China"? É no mínimo hipocrisia sair por aí gritanto "abaixo ao autoritarismo chinês" enquanto o patrocino sem nenhum pudor no meu dia-a-dia. Antes de ligar para seus amigos chamando para a manifestação contra a China, deslique o seu celular Nokia "made in China". Antes de confeccionar bandeiras do Tibete, dispa-se das suas calças Adidas "made in China". Antes escrever contra a China no seu blog, desfaça-se do seu processador Intel "made in China". Antes de escrever o cartaz "Free Tibet", verifique se sua caneta também não é chinesa. Vamos! Vamos realmente boicoitar a China! Será que você consegue? Ajudar o Tibete é muito mais difícil do que ficar fazendo baderna na rua.

É com pesar que eu lhe informo que, hoje no Brasil, você está constantemente patrocinando e corroborando a censura, o sub-emprego (ou escravidão) e a tortura na China. Você pode tentar boicota-los, mas nem pentear o cabelo você vai conseguir, até pente o Brasil importa da China! (será que brasileiro não sabe fazer nem pente?!)