Costuma-se dizer, em época de copa do mundo, que no Brasil são 180 milhões de técnicos, todos querendo dar pitaco no trabalho do técnico da seleção. Tenho observado uma nova vocação para o povo brasileiro, a de juiz. Mas não "juiz" no sentido de árbitro de futebol, juiz de tribunal mesmo. Ora, todos nós somos capazes de julgar; a qualidade de nosso julgamento é que varia de uma situação para outra dependendo da qualidade das evidências que nos são apresentadas. Mas isso não tem impedido que muitos desocupados proclamem suas sentenças.

Ontem, chamou minha atenção a enorme foto publicada na primeira página do jornal O Globo. Era uma multidão acompanhando aos gritos a soltura do senhor Alexandre Nardoni, pai da menina lançada pela janela de seu apartamento. O mesmo ocorreu na soltura da madrasta da menina que ocorria quase que simultaneamente. O que será que levou aquela multidão a se deslocar de seus lares (ou de onde quer que estivessem) para, na porta da delegacia, proferirem suas sentenças? Assassinos! Cruéis! Monstros! Será que estão corretos em seu julgamento? Como todos aqueles juízes, eu não sei. Se tem sido difícil para os profissionais chegarem, com toda a investigação que está acontecendo, a um veredito, imagine para nós, que sabemos das coisas de "ouvir dizer".

Sinceramente, não me interessa nem um pouco saber quem matou a pobre Isabella. Só estou intrigado com aquela multidão, gastando energia julgando o que não está ao seu alcance. Julgando o que não lhes diz respeito. Eu não vejo multidões assim se manifestando contra mensaleiros, contra cartões corporativos mal utilizados, contra a bolsa ditadura. Não vejo ninguém gastando essa mesma energia para sentenciar deputados, juízes e ministros corruptos que indiretamente mata de forma muito mais cruel milhares de crianças por todo o país. No Brasil, crianças definham de fome e doenças, enquanto se distribui milhões de reais para quem não faz nada para ninguém! Enquanto, pseudo-justiceiros "condenam" um suspeito no assassinato de uma única vida. Temos assuntos mais urgentes em que investir nossa energia.

É muito bonita toda essa comoção em torno da história da menina assassinada, mas as pessoas deveriam se dedicar a julgar e condenar criminosos muito mais atrozes que têm constantemente atingido cada um de nós. Deixemos os casos circunstanciais e particulares para a polícia, os peritos e os promotores.